terça-feira, 11 de outubro de 2011

Mãos à obra!


Denise Bandeira, Bruno Ferrari, Larissa Maciel, Bruce Gomlevsky e Glauce Guima.

Primeira leitura com Bruce, que substituirá Pedro Paulo Rangel no papel de Thomas Edison.

Fotos: CAFI

Glauce Guima e Denise Bandeira

Os personagens

Para além do fio e do pavio: Villiers de L'Isle-Adam


Villiers de L´Isle-Adam é um desses personagens espetaculares dessa Paris do final do século XIX. Um nobre deserdado, miserável, alcoólatra – com um único desejo: ser Sublime. Recolhido à própria imaginação fantástica, bizarra, herdeira direta dos textos de ETA Hoffman e Edgard Allen Poe – este autor fabuloso produziu suas fantasias, sem renegar seus mestres mas criando uma ficção de digital inconfundível, que mistura crueldade, humor e horror numa sobreposição de tons única e impressionante.

Pessimista e intransigente como todos os poetas simbolistas, Villiers amava o Infinito, as torres solitárias, as câmaras místicas e a filosofia hermética. E repelia com horror a sociedade utilitária e vulgar produzida pela Revolução Industrial e pela ascenção da classe média – “ignóbil, sórdida e doméstica”. E em seu horror à vulgaridade, empenhava-se na busca de emoções transcendentes que pudessem libertá-lo daquele “triste hospital” que lhe parecia a Terra. Lugar inóspito, não havia lugar para os verdadeiros Poetas.

Atirava-se, então, à literatura com desesperado fervor. Trocando a experiência do mundo externo pelo mundo da imaginação privada. E nesse embate criou sua obra. O conflito implícito entre as leis ideais da mente oposta às contingências limitadoras de vida é o tema principal desse poeta simbolista.

Villiers acreditava que a única função da filosofia e da cultura especulativa seria a de despertar o espírito humano e instigá-lo a uma vida de constante e ardente observação. Como não? Se nos é dado, somente um número contado de palpitações cardíacas, numa vida variada, e dramática! Sim. É preciso estar alerta! Porque a cada momento, alguma forma alcança a perfeição ao nosso tato ou visão, algum tom nas montanhas ou no mar torna-se mais nítido que os demais, alguma espécie de paixão, vislumbre ou estimulo intelectual nos é irresistivelmente real e atrativa. Apenas naquele momento. O fim não é o fruto da experiência, mas a própria experiência.

E somente na criação artística é que podemos esperar encontrar compensação para a anarquia, a perversidade, a esterilidade e as frustrações do mundo.

(fontes: Edmund Wilson em “O Castelo de Axel”/ “Black Humour” André Breton)

De Fio a Pavio

          (Para Chico, meu filho, que nunca me deixou desistir).


Trabalhei muito tempo sobre A Eva Futura de Villiers de L´Île-Adam. Briga boa e difícil. Várias vezes fui a nocaute. Não que traze-lo ao palco, agora, seja qualquer vitória. Será, no máximo, uma boa demonstração de teimosia. Mas quero acreditar que valeu a pena.

Ao ler, de início, o romance - sem ter a mínima idéia de quem seria aquele remoto escritor francês de nome pomposo  - vi, imediatamente aquela Eva de pé num palco. Por que? Não tenho a menor idéia. Escrevo mais para televisão e cinema do que para o palco. O teatro é um gênero que freqüento pouco e muito mais difícil para mim. Mas a Eva Futura foi um desses (raros) livros que, ao ler, vi logo de pé. Talvez por ter percebido naquele texto delirante a semente do assombroso robô de Metropolis, de Fritz Lang, desdobrado na Andróide carente de amor humano - de “Blade Runner” - outro filme marcante de minha juventude (de romantismo transbordante).

Ou talvez, simplesmente, porque o tema Realidade X Ilusão  me fascina e me inquieta. Natural. Vivemos, agora, em estado de vertigem permanente, vendo a fronteira entre uma coisa e outra se dissolver cada vez mais rápido diante de nossos olhos.

Sintoma dessa dissolução, desde sempre e hoje mais do que nunca, é a afirmação do Poder da Beleza Feminina que atravessa os séculos como valor inextinguível. Poder que me assombra, desconcerta e humilha - como a todas de minha espécie - na eterna busca da perfeição e na lamentação diária pela forma perdida. Da mais tonta à mais consciente, somos escravas, todas nós, da Eva, da Vênus, do Espelho - bombardeadas e confundidas pelas ofertas mágicas e milagrosas da indústria mundial da cosmética e do disfarce, afundadas num carnaval grotesco e sem prazo para acabar.

Levada por essa Eva Futura, por essa fantasia terrível e magnífica de Villiers de L´Isle-Adama, desci ao século XIX, freqüentei artistas, poetas e cientistas loucos, encharcados de absinto, suicidas, fazendo da própria vida um palco de paixões e sacrifícios, buscando o Ideal e a Beleza, a qualquer preço, ainda que mergulhados em miséria, doença, desespero. Todos eles tão modernos, tão iguais a nós...

Hipnotizada por ele e por sua ficção, lancei-me ao trabalho. Atrevi-me a tentar uma ponte entre essa fabulosa literatura e o teatro. Espero que as Musas tenham me ajudado a traduzir um pouco, que seja, dessa Matéria- Radiante. Nesse caso, foram tantos os artistas brilhantes que me ajudaram a arrancar a Eva das sombras que nem posso mais chamá-la de “minha”. O resultado que os senhores verão é - com todas as letras - uma criação coletiva.

Aí está ela, para todos nós. Céticos e sonhadores.

A todos, muito obrigada,

Denise Bandeira.